Na Educação muito se tem falado sobre as metodologias ativas, em que o educando é o agente principal da sua aprendizagem. No ensino da música, desde o início do século XX educadores musicais dedicados a pedagogia musical, debruçaram-se sobre metodologias que trouxessem o aluno para o centro de sua aprendizagem, e nós educadores musicais as conhecemos como metodologias ativas de ensino.
A música está presente em nosso cotidiano de tal forma que podemos conhecer muitos aspectos de uma civilização por meios de suas práticas musicais. Tendo como um dos objetivos entrar em contato com o conhecimento socialmente construído pela humanidade tanto a Educação Infantil como os anos iniciais do Ensino fundamental são considerados um período propício a novas experiências e aprendizagens nas suas mais variadas formas e nas mais diferentes linguagens.
Assim sendo, a música no contexto escolar, deve proporcionar o desenvolvimento integral da criança, de modo que por meio dela, a criança possa expressar suas emoções, seus sentimentos, a sua criatividade, tornando-se protagonistas das suas próprias escolhas e experiências.
Durante o século XX, na área da pedagogia musical, muitos educadores musicais, pensando principalmente no ensino de música no contexto escolar, trouxeram várias experiências, que hoje conhecemos como as metodologias ativas em Educação Musical. Elas chegaram ao Brasil, foram adaptadas ao nosso contexto e hoje são amplamente difundidas e conhecidas. Apresentaremos algumas delas a seguir:
Zoltán Kodály (Hungria, 1882- 1967)
Acreditava que todos deveriam ter acesso a música. Partindo de suas pesquisas sobre o folclore húngaro desenvolveu uma metodologia de ensino de música, tornando a música parte do currículo escolar. Um aspecto importante a destacar na metodologia Kodály é o uso da voz, do canto, como meio de expressão musical, de tal maneira que a música e o canto deveriam ser ensinados de forma a proporcionar experiências prazeirosas ao educando. O método Kodály chegou ao Brasil em 1993 por meio da “Sociedade Kodály no Brasil”, que atua capacitando professores e adaptando materiais à realidade brasileira, por meio de cursos anuais para professores.
Émile Jacques-Dalcroze (Suiça, 1865-1950)
Começou seu trabalho quando constatou que seus alunos não conseguiam ouvir internamente quando tocavam uma música, ou mesmo quando olhavam uma partitura não sabiam mentalmente que sons estavam registrados. Tocavam ou cantavam de modo mecânico, sem saber exatamente o que significado sonoro. A partir dessa constatação, percebeu que o corpo deveria ser o primeiro instrumento musical a ser utilizado, a coordenação entre os olhos, ouvidos, a mente e o corpo deveriam ser habilidades desenvolvidas no estudante. A “Eurritmia” de Dalcroze parte dos seguintes pressupostos: todos os elementos da música podem ser experimentados e vivenciados por meio do movimento, todo som musical começa a partir de um movimento, portanto, o corpo que produz esse som, é o primeiro instrumento musical. Portanto, a ideia é que o aluno mostre por meio do movimento, do corpo, os sons que está ouvindo.
Carl Orff (Alemanha, 1895-1982)
Era muito ligado as artes de modo geral, especialmente ao teatro, a literatura e a educação. Junto com a dançarina Dorothea Günter, fundou em 1924 em Munique a “Güinter School”. O objetivo da escola era a integração dos elementos da linguagem falada, ritmo, movimento, canção e a dança. Portanto, para Orff o processo de aprendizagem musical envolve o cantar, o movimenta-se, tocar instrumentos, fazer improvisação e criação musical. Todos os alunos são participantes e não apenas ouvintes no fazer musical.
O método Orff ou Schulwerk (trabalho ou tarefa escolar) teve origem em sua obra Musik für Kinder (Música para Crianças) de 1930 a 1933 e revisada de 1950 a 1954. Segundo essa metodologia, a aprendizagem musical começa com padrões rítmicos simples e progridem até as mais complexas e sonoras peças para conjuntos de xilofone, metalofone, glockenspiels e outros instrumentos de percussão.
É importante salientar um dos aspectos mais conhecidos dessa metodologia que é o uso do instrumental Orff. O objetivo deles é o de oportunizar a criança executar ritmos, melodias, compreender a forma musical, experimentar a música contemporânea, utilizar técnicas de composição e usar a leitura da notação musical tradicional. Todas essas atividades são direcionadas de acordo com o desenvolvimento musical da criança. Quando falamos em composição podem ser propostas atividades musicais com duas notas, por exemplo.
Todo o trabalho de Orff é baseado em atividades lúdicas infantis como cantar, dizer rimas, bater palmas, dançar e percutir em qualquer objeto que esteja a mão. Essas atividades são direcionadas para o aprendizado, o fazer musical, para posteriormente chegar `a leitura e `a escrita musical. Orff acreditava que a experiência musical deve vir antes da compreensão e sistematização da mesma.
No Brasil, a metodologia Orff é divulgada através da Associação ORFF Brasil “Música e Movimento na Educação” (ABRAORFF). Foi criada em 2004, sob orientação da Fundação Carl Orff de Munich, na Alemanha. Segundo o jornal da ABRAORFF, os cursos, oficinas, grupos de estudos e encontros mensais promovidos pela associação no Brasil visam difundir as ideias do compositor alemão, tendo como objetivo capacitar educadores e professores de música da educação infantil ao ensino médio, bem como arte-educadores, musicoterapeutas, professores de educação física e de escolas de dança, regentes de coro, compositores e estudantes de música.
Shinichi Suzuki (Japão, 1898-1998)
Lançou em 1946 o “Movimento da Educação para o Talento no Japão”, tendo como pressuposto que todo individuo possui talentos que podem ser desenvolvidos pela educação. A filosofia do seu método é que toda criança tem um potencial ilimitado e que o estudo da música deve enriquecer a sua vida, fazendo dela um ser humano mais completo. Os princípios do método são: (1) Motivação: as crianças sentem-se fascinadas ao aprender; (2) Alegria e autoconfiança: a criança não tem a menor dúvida que ela vai aprender; (3) Aprendizagem dentro do ritmo de cada um, respeitando as dificuldades sem tentar alcançar a próxima etapa sem que esteja pronto; (4) Aprendizagem com o objetivo de usar no dia a dia tais conhecimentos e habilidades; (5) Imitação dos modelos que estão sempre disponíveis, os professores nunca se cansam de repetir; (6) Identificação com os mestres e professores que tem o papel de encorajá-los como aprendizes, elogiando as suas conquistas.
A filosofia do método é que toda criança tem um potencial ilimitado e que o estudo da música deve enriquecer a sua vida fazendo dela um ser humano mais completo. Busca-se o desenvolvimento da criança, expandindo a sua capacidade de aprender, apreciar e descobrir as alegrias da música.
O método Suzuki foi introduzido no Brasil pela Irmã Wilfried, que era professora de música de uma escola em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Segundo o site “Suzuki no Brasil”, algumas pessoas que haviam passado pelos Estados Unidos lhe falaram sobre um método japonês revolucionário de violino para crianças, que em pouco tempo de estudo crianças tocavam muito bem. Ela se interessou por conhecer o método, entrou em contato com a embaixada Japonesa em Porto Alegre e descobriu que o professor Suzuki morava na cidade de Matsumoto, em Nagano, Japão. A irmã Wilfried foi para Matsumoto em 1980, e teve aulas com o próprio Suzuki e conheceu vários outros professores que também estavam estudando em Matsumoto.
Por meio desses contatos, professor John Kendall veio para o Brasil, e o método Suzuki foi solidificado e validado no “Primeiro Encontro Nacional do Método Suzuki” no Brasil na cidade de Santa Maria, no estado de Rio Grande do Sul. Nos anos seguintes, vieram outros professores para ensinar a maneira Suzuki, como: Takeshi Kobayashi (violino) em 1982, 1988 e 1995; Naomi Picotte (violino e piano), Kunie Kanbe (violino), Yutaka Miyata (cello) e Rebecca Paluzzi (flauta transversal) em 1990 na Terceira Conferência de Professores Suzuki; Carol Smith em 1992; e mais recentemente a Barbara Barber tem vindo todos os anos desde 1996.
Esses educadores musicais abordados anteriormente exerceram e exercem grande influência no ensino de música na atualidade, ao mesmo tempo que foram importantes para lançar as bases de uma pedagogia musical voltada para a formação do aluno de maneira integral. Mais recentemente, com a mudança de paradigma da música do século XX, em que sons, ruídos, silencio, sons do dia a dia são materiais para criações musicais, recebemos a influencia de educadores musicais como como Gertrud Meyer-Denkmann (Alemanha), John Paynter (Inglaterra), Keith Swanwick (Inglaterra), Murray Schafer (Canadá), Jos Wuytack (Bélgica) entre outros.
Keith Swanwick (Inglaterra, 1937)
Juntamente com June Tillman, propõe não um método de ensino de música, mas tendo como base os estudos de Piaget, propõe uma teoria de desenvolvimento musical baseada em estágios, conhecida como Teoria Espiral do Desenvolvimento Musical ou modelo (C)LA(S)P. No Brasil, esse modelo é conhecido como modelo (T)EC(L)A. Dentro dessa perspectiva, os autores propõe o trabalho com a música dentro de alguns parâmetros e tendo em vista o envolvimento direto do aluno com a música. Essas atividades podem ser feitas de três formas:
- Composição: inclui todas as formas de invenção musical, como improvisação e não somente composições escritas. É o ato de fazer um obra musical por meio da reunião de sons de forma expressiva.
- Apreciação: muito mais do que o simples ato de ouvir, é um ouvir mais amplo, já que todas as atividades musicais envolvem o ouvir: ensaiar, improvisar, afinar etc. A apreciação, entretanto, implica na formação de um bom ouvinte. É um estado de contemplação que não está restrito a salas de concertos, mas ocorre em qualquer lugar. A apreciação é o ponto central da educação musical.
- Execução: é um estado especial de fazeres, um sentimento pela música como o de presença. É o fazer expresso e claro que exige preparação e propicia uma característica própria para a música executada. É o tocar a música, fazer música.
Esse três parâmetros são centrais para a educação musical, porém podem ser agrupados mais dois: técnica e literatura.
- Técnica: envolve qualquer conhecimento técnico, prática de conjunto, geração de sons eletrônicos, desenvolvimento da percepção auditiva e a fluência da leitura musical.
- Literatura: a crítica aparece junto com aos estudos contemporâneos e históricos de literatura da música e sobre a música (história e metodologia).
Em suas pesquisas, Swanwick e Tillmann coletaram mais de setecentas composições de crianças na fase escolar, investigando se havia uma ordem seqüencial de desenvolvimento musical, tal qual a teoria de Piaget. Obtiveram como resultado um modelo de desenvolvimento musical em quatro fases:
- De 0 a 2 anos: a atividade é somente sensória com materiais sonoros, experimentação e início de caracterização de sentimentos, humor e temperamento;
- De 3 a 7 anos: as estruturas e padrões, as “garatujas” vocais e os gestos expressivos são reconhecidos e reproduzidos;
- De 8 a 13 anos: há uso consciente de convenções de produção musical conhecida, compartilhando com o mundo adulto;
- De 14 anos em diante: o grau de significação da música e de seu papel individual e social, relacionando-se com uma forma de expressão pessoal e visão própria.
Os parâmetros para o ensino de música juntamente com o modelo de desenvolvimento trouxe aos educadores musicais algumas diretrizes importantes para o ensino de música. Swanwick é um educador musical bastante conhecido no Brasil, pois vários pesquisadores hoje atuantes em universidades brasileiras foram realizar suas pesquisas de mestrado e doutorado com ele, além de ter vindo ao Brasil realizar cursos várias vezes.
Murray Schafer (Canadá, 1933-2021)
Conhecido educador musical canadense da atualidade, baseia o ensino de música tendo como fundamento o pensamento ecológico que baseia-se na ideia de que a realidade é uma complexa rede de relações inserida nos ciclos da natureza, sendo que a consciência é a construção desse mundo, permitindo ao sujeito por meio da linguagem refletir sobre o mundo e sobre sim mesmo.
Schafer defende a ideia de que toda a abordagem na educação musical deve começar pelo som. O som é a palavra-chave de todo o processo de ensino de música e a partir desse pressuposto cunhou o termo “paisagem sonora”. Para compreender o que o termo significa, Schafer fez um levantamento da paisagem sonora no decorrer da história da humanidade, ou seja, como e que tipos de sons em cada época e lugar estava presente nas civilizações. Hoje por exemplo, se moramos na cidade, ouvimos um conjunto de sons característicos da cidade (paisagem sonora) ao passo que se moramos no campo ou em área rural o conjunto de sons será outro (ABREU, 2014).
Assim sendo, suas ideias permearam a sua proposta de ensino de música, propondo de que é preciso ampliar a consciência de escuta da crianças, ou da população, pois somente uma sociedade que ouve bem é capaz de decidir quais sons quer estimular e quais deseja suprimir em sua paisagem sonora, sabendo que hoje a poluição sonora é um dos grandes problemas das cidades.
Para isso escreveu diversas obras em que propõe exercícios de refinamento da escuta e de criação musical. Parte de sons do cotidiano e do ambiente do aluno propondo criações sonoras e musicais, organizando os sons de tal forma que forma um discurso, uma obra musical (Schafer, 2009).
As atividades propostas por Schafer são de fácil compreensão por parte de educadores musicais, bem como podem ser usadas por professores não especialistas em música.
Todos esses educadores musicais fizeram grandes contribuições ao ensino de música, especialmente no contexto escolar. Ouvir, tocar, cantar, dançar, movimentar-se, criar composições sonoras-musicais fazem devem estar presentes no nosso trabalho em sala de aula, especialmente na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.
Sugestão de Livros
Referências
ABREU, Tiago Xavier de; Ephtah!: Das Ideias Pedagógicas de Murray Schafer. São Paulo, 2014. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
BARROS, Rosa Maria Rodrigues; MARQUES, Letícia Coleoni; TAVARES, Luíza S. Pereira. A importância da Música para o Ensino-Aprendizagem na Educação Infantil: Reflexões à luz da Psicologia Histórico-Cultural. 2017. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/colbeduca/article/view/11348. Acesso em 18/02/2021.
BRASIL. Ministério da Educação. CNE/CEB. Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 2009. BRASIL. MEC/SEB.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental. Brasilia, 2019. BRASIL. MEC/SEB.
BRITO, Teca Alencar de; Música na Educação Infantil. São Paulo: Ed. Peirópolis, 2003.
BRITO, Teca Alencar de; Música na Educação Infantil: Proposta para a Formação Integral da Criança. São Paulo: Ed. Peirópolis, 2019.
DECKERT, Marta. Educação Musical: da teoria à prática na sala de aula. São Paulo: Moderna, 2012.
______, Marta. Construção do Conhecimento Musical sob a Perspectiva Piagetiana: da Imitação à Representação. 2006. Dissertação (Mestrado em educação). Curso de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
_______, Marta. Desenvolvimento Cognitivo Musical Através de Jogos e Brincadeiras. 2003. Monografia (Especialização) em Educação Musical). Curso de Pós-Graduação em Educação Musical e Regência de Coro Infantil, Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba. 2003.
MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. Pedagogias em Educação Musical. Editora: InterSaberes, 2012.
SCHAFER, Murray. Educação Sonora. Tradução Marisa Fonterrda. Editora Melhoramentos, 2009.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 4a ed. Tradução de Álvaro Cabral e Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: LTC, 2010